Belém - Dois jovens, duas vidas parecidas: o amor pelo atletismo e pela agricultura. Anderson Formentão e João Marcos Misfeld fazem parte da equipe de 155 atletas de Santa Catarina que disputam os Jogos Escolares de Juventude para atletas de 15 a 17 anos, em Belém (PA). Os dois souberam aliar a vida dura no campo com o esporte e conseguiram vencer. Após serem campeões estaduais, agora a meta é uma medalha nos Jogos Escolares.
Na manhã deste sábado (9), enquanto não estavam na pista disputando o título com os principais atletas do Brasil, os dois catarinenses curtiam as últimas notícias do evento no site da Fesporte e do COB, em um hotel em Belém, o QG da delegação de Santa Catarina. A carreira no atletismo começou como uma brincadeira na vida de Anderson e João Marcos.
Aluno do terceiro ano do ensino médio da Escola Estadual Paulo Zimmerman, em Rio do Sul, João Marcos tem 17 anos, é atleta de arremesso de peso e é a primeira vez que participa da etapa nacional dos Jogos Escolares da Juventude. “Acho que posso ganhar uma medalha, estou bastante confiante”, diz ele, que começou no atletismo em 2012. O início foi por acaso na pequena Witmarsun, cidade de cerca de três mil habitantes, localizada no Alto Vale do Itajaí.
Lá, o estudante ajudava os pais agricultores a criar vacas, porcos e galinhas, além de plantação de milho, mandioca e feijão para o consumo próprio. “Acordava seis horas da manhã para a lavoura”, recorda o estudante. Um dia, na aula de educação física, em um torneio de atletismo da escola onde estudava, chamou atenção da professora não somente pelo talento, mas principalmente pela força e porte físico: 1,91 metro de altura e 135 quilos.
A professora não teve dúvidas: inscreveu o atleta em uma etapa microrregional dos Jogos Escolares de Santa Catarina (Jesc), em que o garoto ficou em 12º lugar. Vendo que o menino tinha futuro, orientou para que fosse treinar na Fundação de Esportes de Rio do Sul, cerca de 70 quilômetros de Witmarsun. A mudança surtiu efeito e com treinamento adequado, João Marcos foi campeão em 2013 da Olimpíada Escolar de Santa Catarina (Olesc) e dos Jesc 15 a 17 anos.
Apesar do sucesso, a vida ainda é de sacrifícios para João Marcos em Rio do Sul. Mora em um pequeno quarto embaixo da arquibancada da pista de atletismo do município e recentemente teve que tirar as coisas às pressas por conta da enchente na cidade. Só pude voltar para o meu canto quando a água baixou, três dias depois”, conta. A vida é tão corrida que quase não tem tempo de visitar os pais “Só quando dá”, conforma-se. Pela manhã vai à escola e à tarde treina cerca de três horas por dia. “Penso em um dia ser campeão olímpico, mas só o fato de estar em Belém participando dos Jogos Escolares já é um sonho realizado”, conclui.
Anderson: treino com vara de bambu
Outro que teve que dividir a vida dura do campo com o atletismo foi Anderson Formentão, de 16 anos, estudante do segundo ano do ensino médio da Escola Estadual Itajubá, da cidade de Descanso, município com cerca de 10 mil habitantes localizado no Extremo Oeste catarinense, distante 700 Km da capital do Estado.
Atleta de lançamento de dardo, Anderson começou a carreira em 2010 na fase microrregional dos Jesc 12 a 14 anos. O início foi bem parecido com a do amigo João Marcos. Destacou-se primeiramente nas aulas de educação física e, encorajado pelos professores, começou a treinar.
Como não tinha o dardo, treinava com vara de bambu, às vezes descalço, às vezes de tênis no meio do pasto de gado, na propriedade dos pais, um sitio na zona rural de Descanso. Entre um treino e outro fazia pausa para plantar arroz, milho e mandioca. Alimentar as galinhas, porcos e tirar leite das vacas eram suas atividades. “Na verdade faço isso até hoje, acordo cedo para trabalhar duro e nas horas de folgas, treino”.
Sem técnico e sem treinamento adequado, Anderson conseguiu ser campeão. Venceu os Jesc 2012 em Itajaí batendo o recorde da competição com um lançamento de 44m60cm. O segundo colocado ficou com a marca de 38 metros. Na época, o feito do estudante deixou todos estupefatos porque o garoto havia trocado a vara de bambu por um dardo pouco mais de um mês antes. Detalhe: o lançamento fora feito sem técnica alguma. “Como não sabia lançar, joguei como se fosse um ‘rebolo’, um pedaço de pau”, lembra o garoto. A força e o talento em estado bruto chamaram a atenção dos que estavam na pista de atletismo de Itajaí.
Campeão estadual, Fomentão partiu para os Jogos Escolares da Juventude em 2011, em João Pessoa, na Paraíba, ainda na faixa etária 11 a 14 anos. Ficou em terceiro lugar após lançar o dardo a 47 metros. O curioso é que na fase de classificação fez um lançamento de 49 metros e quase bateu o recorde da prova. “Lembro que o garoto que ganhou a medalha de ouro conseguiu apenas a marca de 48 metros e se eu tivesse repetido a minha marca da classificatória teria sido campeão”, diz Formentão.
“Penso ainda em ser um atleta de ponta, mas ainda não treino de forma correta, me falta a técnica certa para os treinamentos”, conforma-se o garoto que treina de tênis em detrimento das sapatilhas. Sobre o futuro, é enfático: “Já recebi algumas propostas para treinar em outros municípios, mas o que eles oferecem é muito abaixo do que eu ganho com os meus pais plantando milho e mandioca”.
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Antonio Prado
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