Santa Catarina é uma potência esportiva, tanto que nos últimos anos vem se destacando nacionalmente nos Jogos Escolares da Juventude, Paralimpíadas Escolares e Jogos Universitários Brasileiros, eventos assinados por instituições como Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e Comitê Paralímpico Brasileiro, que contam com estados do quilate de São Paulo e Rio de Janeiro. E nestas competições os catarinenses sempre têm brigado pelos primeiros lugares.
Muito deste sucesso advém de atletas de alta performance que são contemplados por governos nas esferas municipal e estadual, com recursos financeiros da bolsa-atleta (valores que variam entre 2.500 a 3.000 reais). Muitos admitem que, sem o auxílio da bolsa-atleta, não iriam longe.
Mas para disputarem os eventos nacionais e serem beneficiados com os recursos financeiros públicos, os competidores de alto rendimento têm, é claro, um início de caminhada. E este início de carreira passa invariavelmente pelos eventos da Fesporte como os Jogos Abertos de Santa Catarina (Jasc), Joguinhos, Olesc ou Parajasc, só para citar alguns.
No vídeo esportistas e pres. da Fesporte falam do impacto da bolsa-atleta em tempos de Covid-19
Feporte busca retorno aos atletas
Entretanto, em tempos de pandemia pelo coronavírus, os eventos da Fesporte foram suspensos e muitos dos atletas ficaram em dificuldades, já que, sem competição, alguns perderam bolsas. Outros, que já contavam com os jogos da Fesporte para conseguir índice técnico e angariar uma bolsa, tiveram os planos frustrados.
Mas, se depender da Fesporte, essa frustração em breve se transformará em alegria para a comunidade esportiva, já que a instituição não ficou parada durante este período de crise sanitária, e elaborou quatro calendários alternativos para serem analisados entre o governo estadual e esportistas e serem colocados em prática a partir do segundo semestre.
Enquanto o calendário não se inicia, a reflexão que se faz nestes tempos de dificuldade é a reflexão: qual o significado da bolsa-atleta na vida do esportista?
“A bolsa-atleta é tudo para mim, pois nesta pandemia minha esposa teve que fechar o salão que administrava e hoje a bolsa é o único recurso que tenho para sustentar a família”. A frase é de Moacir Zimmermann, 36 anos, marchador olímpico de Blumenau, pai de um menino de 5 anos, que recebe a bolsa-atleta da prefeitura de Blumenau.
Presente na Olimpíada Rio 2016 e no mundial do Catar e Jogos Pan-Americanos no Peru, ambos em 2019, além de 10 medalhas de ouro nos Jasc, e duas de bronze em Universíade, Zimmermann já estava bem encaminhado para uma vaga nas olimpíadas de Tóquio, quando a pandemia freou os planos.
Benefício é valorizado pelos competidores
Com a marca de 1h22min21s estabelecida nos 20 quilômetros em 2019 na Espanha, acima de sua marca na olimpíada do Rio (1h22min23s), bastava o catarinense manter a média nas duas competições seguintes para garantir mais um lugar na próxima olimpíada. “Agora não sabemos quais os critérios a serem adotados pela Federação Internacional e nem quais as próximas provas classificatórias”, esclarece o marchador catarinense, que continua treinando.
Quem também valoriza de forma significativa o impacto da bolsa atleta em sua carreira, principalmente neste período de Covid 19 é o atleta Flávio Reitz, de Itajaí, que participou das Paralimpíadas do Rio em 2016, no salto em altura. Amputado da perna esquerda e beneficiado pelo bolsa-atleta pela prefeitura de Itajaí e Governo Federal ele agradece.
Bolsa dá tranquilidade
“Neste momento de incerteza é fundamental a tranquilidade proporcionada pelo bolsa-atleta, pois, neste momento de dificuldade, sem competição, acabamos sobrevivendo do valor que é pago para alimentação da família, enfim, das despesas gerais”, atesta o itajaiense.
Reitz destaca que vinha treinando forte há sete meses visando às paralimpíadas de Tóquio, mas, assim como Moacir Zimermann, foi obrigado a dar uma pausa. “Agora desaceleramos um pouco. Estamos realizando treinamentos leves, tratando micro-lesões e aguardando a definição do calendário e depois treinar de forma forte para garantir mais uma participação em paralimpíadas”.
Para o bicampeão de caratê Douglas Brose, de Florianópolis, o Programa Bolsa Atleta tem sido fundamental. "A bolsa tem me ajudado a me manter em treinamento nesta pandemia. Ela é muito importante, tendo em vista que muitos atletas estão com falta de recursos já que cessaram as competições e alguns tiveram seus contratos cancelados".
Para se manter em forma, visando uma vaga para as próximas olimpíadas, o catarinense montou um tatame improvisado em sua casa. "Não é o ideal, mas dá para manter a parte técnica e quem sabe conseguir uma vaga olímpica no pré-olímpico de caratê em em junho de 2021", frisa.
Bolsa é o sonho de esportistas
Quem tem o benefício da bolsa agradece, mas quem não tem? Para a professora Marilei Oliveira, 42 anos, treinadora de futebol e futsal feminino do projeto Renascer Através do Esporte, da Escola Estadual Padre Antônio Vieira, de Anita Garibaldi, seria um sonho poder um dia ter o bolsa-atleta. “Recebemos apoio da prefeitura de Anita Garibaldi, mas por sermos um município pequeno, precisamos de mais ajuda”, pede.
O projeto, pioneiro na cidade, tem 18 anos de existência e atende cerca de 100 meninas com idades entre 6 a 17 anos, em vulnerabilidade social. Objetivo, segundo Marilei, é a inclusão social por meio do esporte. “Nosso projeto serve como ferramenta somatória no processo educativo de nossas alunas buscando elevar a autoestima delas e afastá-las das drogas e consequentemente dos grupos de riscos”.
Por isso, segundo a professora, ter um dia uma bolsa-atleta dentro do projeto seria fortalecer todo este trabalho de inclusão social. “A bolsa-atleta seria muito importante para comprarmos material esportivo e ajudar na alimentação das meninas e até mesmo na elevação do nível técnico dos treinamentos. O beneficio do bolsa-atleta seria relevante, pois fortaleceria nossa estrutura e ajudaria as nossas estudantes a concretizarem o sonho de ser atleta profissional, destaca”.
Projeto com 200 crianças e adolescentes parado
Quem também compartilha com o pensamento da professora Marilei é o professor Douglas Freitas, 35 anos, conhecido como Dodi, que trabalha há quase 10 anos com projetos sociais de jiu-jítsu e luta olímpica. Até abril recebia, há três anos, o bolsa-técnico para desenvolver os projetos em Blumenau e Gaspar pelas respectivas prefeituras. Os seis pólos nos dois municípios atendiam cerca de 200 crianças e adolescentes com idade a partir de quatro anos. O foco era o esporte escolar como forma de inclusão social e preparação dos estudantes nas disputas dos Jogos Escolares de Santa Catarina. Com o fim do bolsa-atleta ele teve que parar os trabalhos.
“Nós estávamos tendo ótimos resultados. Em Blumenau conseguimos que dois alunos nossos conseguissem bolsa-atleta federal e um em Gaspar por conta dos ótimos resultados em competições nacionais e estadual. Em 2018 conseguimos um inédito oitavo lugar no jiu-jítsu nos Jogos Abertos de Santa Catarina (Jasc) à frente Blumenau. Espero que este benefício volte o mais rápido possível", diz o treinador.
Apesar da extinção da bolsa-técnico entre o governo blumenauense e o professor Douglas, segundo a prefeitura de Blumenau o trabalho social com crianças e adolescentes do núcleo do educador continua, assim como os demais projetos que atendem cerca de 600 crianças de outras modalidades.
Presidente da Fesporte defende bolsa aos atletas
Para o presidente da Fesporte, Rui Godinho, o benefício da bolsa-atleta é algo essencial para a vida do esportista. O dirigente destaca que com a extinção do Fudesporte, em 2017 o Governo de Santa Catarina cessou o benefício. Entretanto, neste ano de 2020 a Fesporte iniciou a construção de um anteprojeto de lei que determina a volta da bolsa-atleta a competidores, principalmente aos atletas que se destacarem nos Jogos Escolares de Santa Catarina (Jesc) e ainda os vencedores dos Jogos Escolares Paradesportivos de Santa Catarina (Parajesc). O texto está sendo construído pela assessoria jurídica da Fesporte e ao ser concluído será encaminhado como proposta ao governo estadual.
“A Lei 13.719 é destinada para atletas de rendimento, e agora queremos criar uma lei que priorize o esporte escolar. Queremos que o governo estadual distribua bolsa para atletas que estão na escola. Queremos também contemplar atletas da Olimpíada Estudantil Catarinense (Olesc) e dos Joguinhos Abertos de Santa Catarina, já que estes eventos também contemplam crianças e atletas de base”, destaca Godinho.
Faixa preta em jiu-jítsu, judô e ex-atleta, o presidente da Fesporte, Rui Godinho, defende que as prefeituras não interrompam as ações de incentivo aos atletas por meio da bolsa-atleta. “Fui beneficiário de bolsa e sei o quanto ela é importante e em época de pandemia ela representa a sobrevivência do atleta, representa entre outras coisas, a entrada em uma faculdade”, finaliza Godinho.
Texto: Antonio Prado