Segundo domingo do mês de agosto, dia 9, é um dia especial, porque é quando homenageamos uma das figuras mais importantes na vida de cada um: o pai. Seja ele um pai biológico, seja padrasto, seja ainda aquele avô, tio ou um amigo mais velho a quem consideramos pai. Ele é muitas vezes o equilíbrio entre os extremos. É aquele que cobra, que dá bronca, que exige; mas é também aquele que abraça, que ama (muitas vezes sem saber dizer) e que se orgulha tanto a ponto de fazer rolar aquela lágrima de emoção que ele sempre escondia.
Dizem que a maioria dos técnicos é como pai. Briga, exige, coloca no banco, manda de novo para o jogo, esbraveja, gesticula; mas também motiva, vibra, torce e corre para o abraço quando a vitória chega ou faz erguer a cabeça quando ela não vem.
Mas imagine quando o técnico é o próprio pai, a exemplo de Bernardinho, pai do Bruninho do vôlei; Charles Medina, padrasto de Gabriel Medina; ou mesmo Larri Passos, a quem Gustavo Kuerten nunca escondeu considerar um pai. A verdade é que no mundo dos esportes, esses não são casos isolados. Há muito atleta que vira técnico e inevitavelmente acaba treinando o próprio filho, quando este resolve seguir os passos do pai.
Dividindo com o filho as emoções das quadras
Um exemplo disso é o técnico João Altamiro de Moraes Lopes, mais conhecido como Pingo, pai do Rafael Castagna Lopes. Pingo jogou basquetebol pelo Diocesano de Lages e foi campeão estadual em 1978. A carreira de jogador, que iniciou em 1972, durou 10 anos. Já a de técnico começou em 2012 em Lages, pela Apabla (Associação de Pais e Amigos do Basquete de Lages). E, nesse novo projeto, não ficaria de fora o filho Rafael, que já se espelhava no irmão mais velho, Renan, que já jogava, mas não seguiu com a modalidade. Juntos, Pingo e Rafael conquistaram títulos regionais na Olesc e nos Joguinhos Abertos.
Rafael, do basquete de Lages, com o pai e técnico, Pingo Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Pingo destaca a experiência de dividir com o filho os momentos no esporte e a emoção que acontece dobrada com o filho em quadra, mas defende que questões do esporte não possam ter muitas interferências no lar. “Às vezes, a gente acaba trazendo essas coisas pra casa, mas sempre procurei separar bem quadra e família”, disse ele. Apesar disso, destaca que há prazer em ter uma parte da família no trabalho, mas nem por isso poupa o filho das broncas. “A bronca nele era mais forte. Por ser filho, você tem mais liberdade, mas ele também entendia isso”, completou o técnico.
Uma família na mesa
E o que dizer de uma família inteira numa modalidade. No tênis de mesa, a família Nakashima tem levado muitos troféus e medalhas para o Norte do estado. Celso Toshimi Nakashima é pai e técnico de Alexia (21) e Enzo (19), além de Steffi (23), que já não atua mais na modalidade, e esposo da também mesatenista Alice. Natural de Cambé, no Paraná, Toshimi começou a praticar tênis de mesa em 1975, em Curitiba. Em 1981, começou a participar dos Jasc, por Porto União, depois por Capinzal, e, a partir de 1986, por Joinville, onde está estabelecido. Começou a atuar como técnico em 1983, no Paraná. No ano seguinte, já exercia a função em Capinzal. Ele já perdeu as contas de tantos títulos no estado como atleta e como técnico. Além disso, foram 22 títulos do Brasileiro Intercolonial e o orgulho de ter participado de três Paralimpíadas como técnico e conquistado prata nos jogos paraolímpicos de Beijing 2008.
Família Nakashima tem levado muitos troféus e medalhas para o Norte do estado Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Alexia e Enzo colecionam dezenas de títulos que vão das competições da Fesporte, como Joguinhos Abertos e Olesc, a brasileiros, sul-americanos e pan-americanos. “Ser pai e técnico ao mesmo tempo é o máximo que poderia ter acontecido na minha carreira, porque no fundo talvez você espere poder um dia dirigir um filho. Pra mim é um privilégio, emoção, orgulho; acho que tudo que tem de bom eu sinto quando estou com eles. Às Vezes, estou também como jogador, com eles, na mesma equipe”.
Ele ainda fala da aflição e sofrimento mais forte quando os filhos vão jogar fora e ele não acompanha como técnico e da vantagem que tem em ser técnico dos próprios filhos. “Em função de vivermos o dia a dia, desde criança, a gente sabe de todos os momentos em que eles estão em dificuldade, no sentido psicológico ou emocional. Como pai, é mais fácil perceber isso no atleta. Toshimi define como gratidão ver os filhos atuando na mesma modalidade que ele, e atribui ao trabalho desenvolvido desde a escolinha e aos professores que se envolveram.
Ajudando a filha a realizar um sonho
Clodomir Cordeiro, o Chico, 47 anos, é treinador de handebol em Videira, desde 2018 e comanda sua filha Thereza Devenzi, 13 anos, nas competições da Fesporte. Para ele ser pai e técnico ao mesmo tempo é a realização de dois sonhos em um. Ele admite que estar nesta condição faz com que o sofrimento seja maior durante as competições. “O mais difícil é estar no torneio e não ser apenas pai. Isso aumenta o sofrimento, mas há o lado positivo, pois como pai e técnico você consegue fazer as cobranças (para a filha) de forma integral antes durante e depois dos treinos, mesmo sabendo que às vezes passamos do ponto nas cobranças por ser minha filha”.
O técnico Chico e a filha Thereza Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Segundo Chico o lado gratificante é ver de perto a evolução técnica da filha no handebol, por meio do comprometimento nos treinamentos. “Isso faz que eu sinta um orgulho, já que eu estou ajudando a minha filha a realizar um sonho, a ser vencedora dentro e fora das quadras”, admite o treinador.
Como atleta Chico tem na carreira um vice-campeonato dos Joguinhos Abertos de Santa Catarina, terceiro lugar no campeonato estadual juvenil, alguns títulos regionais nos Joguinhos e como treinador de equipe feminina um terceiro lugar nos Jasc. Já a filha Maria Thereza tem no currículo o título de campeã sub-12 da Liga Catarinense de handebol. Além de Maria, Chico é pai de João Pedro, que aos três anos já brinca no futsal.
Das angústias de pai às alegrias de técnico
No caratê de Chapecó, Antônio e Marco também fazem uma forte dupla de pai e filho. Antônio Marcio Rodrigues dos Anjos (43), o pai, faixa preta (quarto dan), foi campeão brasileiro em 2007 e 2012, campeão brasileiro universitário pela CBDU em 2012 e campeão pan-americano em 2013. Formado em Educação Física e História, dos Anjos iniciou a carreira como carateca em 1993, e em 2005, já atuava também como técnico, função que desempenha atualmente no Município de Chapecó e nas seleções catarinense e brasileira. Como técnico, obteve títulos em todas competições da modalidade nos eventos da Fesporte, muitos deles dirigindo o filho Marco Antônio dos Anjos, contando ainda com dois mundiais infantis por equipe, um título sul-americano (2019) e dois pan-americanos (2018 e 2019). Aos 20 anos, Marco, que iniciou no caratê aos seis, coleciona conquistas estaduais, nacionais e internacionais. Atualmente, na sua categoria, é o segundo do ranking mundial sub-21 da WKF, o primeiro do ranking nacional sub-21 e segundo no sênior.
Antônio é técnico de Chapecó e das seleções catarinense e brasileira Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal
“Ser técnico é uma tarefa difícil, mas muito gratificante, pois há um ganho do ponto de vista das emoções, que vêm em dobro”, disse Antônio. Ele defende que, em casa, é possível também ser técnico e que treinar o filho dá uma vantagem sobre outros técnicos, porque a intimidade e a proximidade favorecem, segundo ele. “Eu e meu filho conseguimos nos comunicar até por gestos”. Por outro lado, alerta que problemas de treinos não devem entrar em casa. “Para mim é uma grande felicidade ver meu filho se destacando na modalidade que eu ensinei. Ser técnico e pai é algo especial, pois você vive as angústias de pai e as alegrias de técnico”. E quanto às broncas no filho atleta, ele diz que se tornam mais assertivas, embora não menos duras, à medida que a carreira do atleta vai se solidificando.
Alegria na vitória e incentivo na derrota
Outro caso é o da família D’Ávila, do caratê por Joinville. Célio é pai dos caratecas Vitor (23 anos) e Miguel (7). Ele começou com atleta em 1989, em Joinville. Em 1993, já atuava como técnico. Desde 2009, tem sido técnico da modalidade nos Joguinhos Abertos, conquistando, até o momento 10 títulos, sendo nove por Joinville e um por Brusque. A família toda aderiu à modalidade. Além dos filhos Vitor e Miguel, a esposa Valdirene também pratica caratê e recebe treinos de Célio.
Família de caratecas sob o comando de Célio D'Ávila
Célio D’Ávila destaca que o fato de conhecer a rotina do filho facilita mais na preparação física e técnica e que, para o filho, é também importante porque ele tem maior confiança. “O mais difícil é ser técnico e ficar em casa e não poder estar lá, ajudar para ele conseguir a vitória”, relatou abordando as ocasiões em que não está atuando como técnico do filho. “É uma mistura de orgulho, realização profissional, ter meu filho atuando comigo, e hoje como técnico, seguindo os passos do pai”, referindo-se ao mais velho, Vitor.
D’Ávila ainda ressalta que ser técnico do filho é ter sentimento em dobro, mas que nas vitórias a alegria é compartilhada, vivenciada com o filho atleta, e na derrota, apoiar e incentivar.
Uma adrenalina a mais
Técnico de caratê de Blumenau, Veroni Pereira, 59 anos, treina três filhos na modalidade: Juliano Douglas, 37 anos, faixa preta 2º dan; Josiane Carla, 34, faixa preta (1º dan) e Marco Antônio, 18, faixa preta (1º dan). Veroni começou a praticar o caratê em 1983, inicialmente buscando métodos de defesa pessoal. Entre os anos de 1992 e 1995, Veroni atuou diretamente como atleta e, em 1996, fundou sua própria equipe: a Associação Vasto Verde de Karatê, mesmo ano que assumiu como técnico a seleção blumenauense de caratê da Secretaria Municipal de Esportes.
Veroni exibe troféu conquistado nos Jasc 2018 Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Ao longo dos anos, já perdeu a conta de quantos títulos levantou nas competições da Fesporte treinando os filhos. O que ele não esquece, no entanto, é o significador de ser pai e atleta ao mesmo tempo. “Ser pai é uma tarefa muito difícil e ser técnico do seu próprio filho significa uma responsabilidade maior ainda. A estratégia de luta é diferente dos demais atletas de sua equipe, a adrenalina é diferente e tem que ter cuidado para não atrapalhar. Com a derrota a tristeza é em dobro, mas com a vitória a alegria é tripla”.
Coisas de proteção de pai
Além da relação entre pais técnicos e filhos atletas, no mundo esportivo também não é raro que filhos sigam o mesmo caminho do pai na arbitragem.
“Vê-lo fazendo minha função não tem preço”. As palavras brotam da boca de um orgulhoso Deraldo Oppa, presidente da Federação Catarinense de Atletismo, ao descrever a emoção de estar lado a lado com seu filho, Gabriel Oppa, como árbitro, mas principalmente como locutor oficial do atletismo nas competições da Fesporte. Deraldo é um dos principais dirigentes e árbitros do Brasil. E tal condição foi crucial para ser o escolhido como o locutor oficial, em língua portuguesa, do atletismo das Olimpíadas 2016 no Rio.
Nas competições, Deraldo Oppa admite que fica tenso ao acompanhar o trabalho do filho, mas não deixa que isso atrapalhe a relação profissional entre ambos. “Dentro da competição sou pai e hierarquicamente superior, já que coordeno a modalidade, mas procuro tratá-lo em condições de igualdade, com profissionalismo assim como aos demais árbitros”, esclarece.
Gabriel ao lado do pai, Deraldo Oppa, nas olimpíadas do Rio 2006 Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Oppa informa que o filho largou a faculdade de Direito para entrar de vez no mundo do esporte ao ir como voluntário para as Olimpíadas do Rio, em 2016. Depois dele participar da olimpíada, no atletismo, ele disse: “Pai me encontrei. Vou largar o Direito e fazer Educação Física. E assim fez e nós o apoiamos”. Oppa lembra que o momento mais marcante foi quando os dois trabalham na Rio 2016 no dia dos pais.
Por fim sentencia: “Trabalhar com meu filho é muito gratificante, gostoso. Quando ele erra, procuro conversar, mostrar onde pode melhorar, às vezes de coração partido, doendo, porque eu não gosto de ver meu filho errar, enfim, coisas de proteção de pai”.
Técnicos, árbitros ou ainda atletas, um pai pode ter muitas funções, mas o que importa mesmo é a felicidade e a emoção de buscarem os mesmos objetivos e trilharem juntos o caminho da glória e da realização de sonhos; é poder contar com o pai de cada dia; é ter ao seu lado esse herói sem capa, mas com superpoderes que fazem os momentos serem ainda mais intensos; esse herói que tem como armas a voz e os gestos para sacudir o moral; a vibração para elevá-lo ao melhor de si; os abraços, beijos e todo tipo de carinho para estimulá-lo a ir além do que ele mesmo foi; e o amor, porque senão, não seria pai.
Texto: Heron Queiroz e Antonio Prado/Ascom/Fesporte